sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Figuras de Linguagem

Antes de mais nada, deem uma olhadinha em um dos poemas mais famosos de Camões.
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;

É um contentamento descontente;

É dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;

É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que se ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade

É servir a quem vence o vencedor,
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor

Nos corações humanos amizade;
Se tão contrário a si é o mesmo amor?

Luís de Camões
Bonito, não? Já parou para pensar o porquê é tão bonito? Ok, você pode achar cafona, mas não pode negar que há um trabalho feito com as palavras de maneira que seu conteúdo fique mais profundo, mais, obviamente, poético. Camões podia simplesmente escrever "O amor é contraditório", "O amor é um sentimento forte que não se explica", "O amor é bom", "O amor é bacana", mas não seria consagrado um dos maiores poetas da literatura clássica portuguesa, até mundial. É aí que a linguagem literária se distancia da linguagem comum.

Essas estratégias que o autor pode aplicar para atingir determinados efeitos ao texto, tornando-o mais expressivos, mais intensos, mais surpreendentes são as tais figuras de linguagem (ou de estilo ou de retórica); é uma forma de expressão que consiste no uso de palavras em sentido figurado, isto é, em um sentido diferente daquele em que elas normalmente são empregadas; é um recurso linguístico para expressar experiências comuns de forma diferente, conferindo originalidade, emotividade e poeticidade ao discurso. Mas nós, reles mortais, também usamos figuras de linguagem no nosso cotidiano para atingir certos efeitos que às vezes nem as percebemos.

Podemos classificá-las em pelo menos quatro grupos diferentes. Observe abaixo alguns exemplos retirados de Camões acima (acabei de usar uma antítese e uma metonímia... ops, esqueci que vocês ainda não sabem sobre elas, mas não se preocupem, daqui a pouco entenderão):
  1. "Amor é fogo que arde sem se ver"
  2. "É um contentamento descontente"
  3. "É ter com quem nos mata lealdade"
  4. "É nunca contentar-se de contente"
Só nesse poema, há muitas outras figuras de linguagem, mas foquemos apenas nessas quatro por enquanto:
  1. O autor não simplesmente adjetiva o amor como, por exemplo, "contraditório", "bacana", "algo muito legal", ele compara poeticamente com o "fogo que arde sem se ver", pois, para ele, há características em comum entre ambos. A esse tipo de comparação, damos o nome de metáfora, e a esse tipo de figura de linguagem, damos o nome de Figuras de Palavras (ou tropos).
  2. Nesse exemplo, notamos algo até engraçado: como um contentamento pode ser descontente? Há um jogo com as ideias que essas palavras trazem, de modo que o resultado fique contraditório, mas interessante. A esse efeito, damos o nome de paradoxo, e a esse tipo de figura de linguagem, damos o nome de Figuras de Pensamento.
  3. À primeira vista, não há nenhuma brincadeira feita através das palavras ou das ideias nesse verso, mas há uma inversão da ordem natural dos termos da oração ("É ter lealdade com quem nos mata" seria o ideal), produzindo um efeito diferente e a rima com "vontade" dois versos acima. A essa mudança de posição, damos o nome de hipérbato, e a esse tipo de figura de linguagem, damos o nome de Figuras de Construção ou de Sintaxe.
  4. No último exemplo, vamos apenas nos focar na sonoridade do verso. Repita-o algumas vezes e vai notar que há um repetição de sons muito próximos: uma nasalização de vogais (nUN, cON, tEN); fonemas que chamamos de oclusivas (Ca, Con, Ten, Tar, De, Te), que do ponto de vista fonológico da língua são muito parecidos. A essa repetição de sons vocálicos, damos o nome de assonância, à de consoantes, aliteração, e a esse tipo de figura de linguagem, o nome de Figuras de Som ou de Harmonia.
Bom, vimos que as figuras de linguagem podem aparecer de diversas maneiras e não estão só à disposição dos grandes escritores, nós mesmos fazemos uso delas tanto quanto sem perceber, você irá notar isso nos próximos posts quando estudaremos figura por figura.
Obrigado por ler!
James Juice

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